I
Não me atrai o abstracto… irrealidade...
Por isso nada há de modernismo
No que pinto, a expressar o realismo,
Num esforço de achar o que é verdade,
Neste mundo a cair para o abismo,
Empurrado por tanta ambiguidade!...
Tanta incerteza traz fatalidade.
Parece-me existir mais altruísmo
Em clarificar bem o duvidoso:
Mostrar que existe ainda um verde prado;
Mostrar um rio exangue… ou caudaloso;
Algum recanto ainda inundado
De Paz, sem o ruído pavoroso
Que nos deixa o espírito arruinado…
II
Até no que parece uma abstracção,
Pelo jogo das cores sobre a tela,
Sem esforço, sem lei e sem cautela,
Não passa sem haver figuração
De algo real…Paisagem feia ou bela.
Sou assim… Abro a alma e o coração.
E sinto quanto vale a precisão,
Até no que em pintura se revela.
No colégio, já isto me valeu:
“Concurso, na Gulbenkian, de pintura
Para jovens”: mandei um quadro meu.
Com paisagem real e a figura
De jovem camponesa, e mereceu
Lá ficar! Para mim foi a ventura.
III
Os duzentos escudos que ganhei,
Nesse tempo (há bem setenta anos…),
Puseram-me a pensar: “Não houve enganos?...
Valia tanto o quadro que pintei?”
Cheia dos sentimentos mais ufanos,
Com paixão, a pintura eu abracei.
Mas, só com ela, não me contentei:
Nos livros via amigos mais humanos…
Saudosa do colégio, lá na aldeia,
Vendo-me aí em grande solidão,
A pintar eu sentia a alma cheia;
E, se um livro me dava animação,
A escrever, fosse qual fosse a odisseia,
Libertava-se mais o coração.
IV
Assim, eu tinha sempre o tempo cheio.
E deixava que a mente divagasse…
Que fosse em aventuras e voltasse
Com fantasias, sempre num enleio,
Cada uma trazendo o seu disfarce…
Ia então escrevê-las, com receio
De não achar princípio, fim ou meio…
Mas encontrava sempre o desenlace.
Também me deram prémio tais histórias
E poemas: são quatro penas de ouro
Que guardo, de concursos. São vitórias.
Tinha dentro do lar o meu pelouro,
Nas lidas que parecem mais inglórias!...
Mas ia a mente em busca dum tesouro…
terça-feira, 16 de dezembro de 2008
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