I
A minha filha tem um lindo gato.
E gordo. Que se chama Silvestrinho.
Não fui eu a madrinha do bichinho:
Nome de gente em bicho eu rebato.
Este nome, a exprimir tanto carinho,
Num bicho: boi, ovelha, cão ou pato,
Causa na minha mente desacato...
Só deve pertencer a nenenzinho...
Além disso é um nome tão comprido!
Pronunciá-lo, é mesmo cansativo.
Se o chamo por nome reduzido,
Para refeição ou aperitivo,
Dá sinal de que não fica ofendido,
Ao chamamento não se mostra esquivo.
II
Assim, mostra que tem grande esperteza.
É habil; temos disso a demonstração:
Dos ruídos já faz a atenção:
Se é da porta dum quarto, com destreza
Dá um salto com muita precisão,
E esconde-se, como em fortaleza,
Bem debaixo da cama, com a certeza
De que isso lhe vai render ração...
Rende: pois ouve o saco da comida,
Abanado e a fazer alto ruído:
Surge à porta do quarto, e em corrida,
Vai para o comedouro, atraído
Por iguaria, extra, concedida
Pela esperteza... E não será traído...
III
Se faz ruído, a porta do terraço,
A rapidez é tanta que atrapalha!
De entre os meus pés dá salto, que não falha,
Lá para fora, num desembaraço!
Se a porta da despensa, às vezes calha,
De estar aberta só um leve traço,
Ele a abre com artes de palhaço,
E faz rir! Mas depois... Que Deus nos valha:
Se o saco da comida pesa pouco,
Trá-lo na boca pois é um glutão;
Se o deixa cair, parece louco,
A fugir... e a comida lá no chão...
E mesmo que o chame, faz-se mouco...
Para não vir comer ali o grão...
IV
Temos nós de apanhar ou de varrer
Tanto grão que ele deixou lá espalhado.
Outras vezes é bem mais descarado,
Mesmo dentro do saco ele comer.
Assim engorda... Está talvez pesado...
Minha filha, essa gula quer deter;
“O Silvestrinho pode adoecer;
O coração lhe fica molestado...”
A meu ver, só os extras são demais...
À hora de comer... que desventura:
Mimos da minha filha, acha-os banais.
Como eu lhe dou ração com mais fartura
Vê em mim a ração e nada mais:
À hora de lha dar... a mim procura.
V
Respeita-me, pois tem educação.
Do meu quarto dou-lhe ordens de saída;
Então, logo se vai numa corrida.
Nos outros quartos faz embirração...
Esconde-se e deixa-me aturdida,
A procurá-lo. E ele sem reacção.
Pêlo seu, no meu quarto, é aflição,
Pois receio ficar demais tolhida,
Se me causa alergia na garganta.
"Para trás!" Eu lhe ordeno ao vê-lo entrar;
Ele desanda, e vai... Até me espanta!
Do outro lado espera, pertinaz,
Atravessado onde eu irei passar.
Até nisto se mostra muito audaz.
VI
Tem o faro apurado: de repente,
Salta, e lá vai por-se à porta da rua.
Estranho... E o silêncio continua...
Para mim não há nada diferente...
Mas houve para o gato. Sorte sua!
Chegou a minha filha. Ele a pressente!
Um faro assim, jamais será de gente.
Onde houver Pão-de-Ló, ele não recua,
Nem à força, pois quer a guloseima.
Zangado, salta à mesa num instante,
A mostrar que persiste a sua teima.
Fora isto, o seu porte é elegante.
No andar se maneia sem ter freima;
O rabo sempre ao alto e ondulante.
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