
I
Um recanto de praia com mistério…
Céu luminoso, azul e tão suave…
Nem mancha do vulto de uma ave!
Pedras encasteladas com critério,
Como escada do Céu, sem entrave.
Na brancura da espuma, algo de etéreo,
Como halo de santo em presbitério.
E há musas, ali, no seu enclave.
Mancha negra… eis a gruta mais secreta
De sereias, lembrando a nossa fama!...
Lá está uma, a olhar, saudosa… erecta,
A ver passar Camões, Cabral, o Gama…
Vai -se o tempo… às sereias nada afecta…
O seu amor à Pátria mais se inflama.
II
Só em nós é que o Tempo causa estragos.
Vai-nos levando tudo da memória,
Até de quem lutou sempre em vitória,
Vão-nos ficando só uns sinais vagos…
Também há quem não preze a nossa História
E a deturpe, sem dar justos afagos,
Aos que nas aventuras, só de magos,
Nos trouxeram riqueza, honra e glória!
Sentem hoje as sereias e as musas,
A ingratidão do falso português,
Que à nossa História deu voltas confusas,
Onde toda a grandeza se desfez
E as musas e sereias são intrusas…
Heróis… perdem valor e honradez.
III
Mas ali, num cantinho junto ao Mar,
Como as praias cantadas por Camões,
Onde deixou saudades e paixões,
As sereias e musas têm lar.
Velhinhas, já de tantas gerações,
Saem da gruta, vão ao patamar
E lá ficam sonhando, ao luar,
Unidas pelas mesmas emoções:
Ver ao longe as saudosas caravelas
Da sua pátria amada, Portugal;
Sentir no coração que foram elas
Que deram a Camões força real,
Na descrição vibrante das procelas
Entre o doce prazer sentimental.
IV
─ Como demora a frota lusitana,
Com os seus mais valentes marinheiros!
─ E para nós, tão nobres companheiros!
─ Boa gente. Não tem alma profana. ─
Comentam, sempre à espera dos veleiros,
As sereias e musas, na cabana,
Dia e noite, naquela espera insana,
Sem avistarem velas, nem luzeiros…
Ó musas e sereias venturosas,
Crede que não há homem que suporte,
Como vós, as agruras dolorosas
Do Tempo, a dar-lhe sempre abalo forte.
Na vossa gruta, aí, tão vigorosas,
Não tendes a noção do que é a morte.
V
Enquanto houver poetas tereis vida.
Só eles vos sustentam fortemente,
Pois, sem vós, não se abre a sua mente
E lá fica a poesia adormecida…
Só eles vos acolhem ternamente.
E se lhes falta a vossa companhia,
Não terão os seus versos melodia,
Ficando o seu poema insipiente.
Só eles vos entendem na saudade
Que sentis pela frota lusitana;
Por Camões, vosso amigo de verdade:
Com a paixão, que até parece insana,
Fala de vós, com tal vivacidade,
Que vos livra da morte, que é tirana…
VI
È tirana, e é mesmo traiçoeira.
Vós, ai, recolhidas no enclave,
Aonde não se vê nem uma ave
Que vos possa servir de mensageira,
Não sabeis que a morte pôs entrave
À frota lusitana, essa romeira,
Que enfrenta o Mar, que nem por brincadeira!
Mas já passaram, séculos!... É grave!
Grave, não para vós, que não sabeis,
Que os bravos lusitanos marinheiros
Não voltarão, por mais que os espereis…
Só os poetas são vossos parceiros,
Hoje; e louvam o amor que não perdeis
Aos lusitanos, sempre aventureiros!
VII
Levam na alma a Fé; patriotismo.
Lá vão, vencendo as ondas, mesmo à toa…
Em mares a rugir!... Encontram Goa
E terras onde é grande o exotismo!
Sempre a dar rumo incerto a cada proa
Dos barquinhos, de quem tem estoicismo,
Lá vão… A vencer monstros no abismo!...
Donde em onde, vitória se apregoa!
Ides com eles, musas e sereias:
Testemunhais incríveis aventuras…
Agora… Num castelo sem ameias,
De pedras, onde só vejo aberturas
Da gruta, reviveis as odisseias…
Esperais…com os olhos nas lonjuras!...
VIII
Há séculos aí… Olhando o Mar!...
─ Os heróis lusitanos, sem temor,
Que venceram ciladas e agressor,
Não os vejo além, a navegar.
─ Deteve-os talvez o Adamastor…
E com ele estarão hoje a lutar.
─ E nós sem os podermos animar…
─ O lusitano é sempre vencedor!
─ Sim, só a eles cabem suas glórias. ─
Ai, musas e sereias iludíveis
Nesse avivar de velhinhas histórias!...
Séculos a passar… Mas invisíveis
Para vós, a viver só das memórias
De feitos, que são hoje inconcebíveis!...