quarta-feira, 16 de março de 2011

O REI

I
Sócrates não desiste de honrarias!...
Parece até julgar-se um imortal,
Que nem no Fim do Mundo tem final...
Cada vez mais se apega às mordomias!...

Pode agravar-se o seu estado mental
E cobiçar mais altas regalias:
Ser Rei um dia!... Mas surgem-lhe arrelias:
Não pode usar coroa: a que é Real:

Foi esta oferecida à Mãe de Deus,
Por um dos nossos réis, em gratidão,
Por mercês alcançadas lá dos Céus.

Jamais os nossos réis ostentarão
A Coroa Real. E só os ateus,
Podem cair, enfim, na tentação,

II
De usurparem, à Virgem, a Coroa...
Se o atacar a ânsia de realeza,
Usurpa-Lhe a Coroa com destreza,
Pois, na sua vaidade, ele age à-toa...

Quando fala não usa de franqueza;
A sua voz a falso nos ressoa...
Promessas que não trazem coisa boa...
Só de azares... nos dão grande certeza.

Se lhe cresce a arrogância dia a dia;
Se cobiça mais alto pedestal,
Usurpa a Coroa à Virgem Maria

E atinge, assim, o seu grande ideal:
Forma, ele, uma nova Dinastia,
Coroando-se: Rei de Portugal !...

Porto, 13 - 3 - 2011
Ana Lopes Vieira

Iremos pagar IVA por cada Aniverário, na CRISE?...

I
Um Natal só de CRISE e indigência!...
Há grande discussão no Parlamento!
Fazem até um grande pé-de-vento
Contra a tirana: DONA INCOMPETÊNCIA!...

Nem a TV se cala um só momento:
Fala um... fala outro... há divergência...
Entram mesmo alguns em turbulência,
Agoirando um futuro de tormento!...

E em cada aniversário, haverá IVA ?...
Ai de nós... já há tantos anos vivos,
Sempre em actividade construtiva.

O Estado vê nos IVAs atractivos!...
Para o mais idoso, é CRISE aflitiva:
Se nos fazem pagar... retroactivos!...

II
IVA em cada Natal?... É coisa atroz!...
Vem dar-nos um desfalque nas poupanças,
E podemos perder as esperanças
De voltar aos convívios... só de avós.

Lá se vão jantaradas e festanças...
Quem é legislador SÓ VÊ OS PRÓS,
A favor deles... Não zelam por nós...
Para nós tudo são inseguranças...

Vem Bruxelas ditar-nos duras leis?...
Nas nossas algibeiras, já furadas,
Não irão encontrar... nem cinco reis...

Nações credoras... não serão lesadas:
Levam, dos nossos dedos... sem aneis...
As unhas, ai, que já nem são pintadas...

Porto, Dezembro, 2010
Ana Lopes Vieira

Odisseia na Troca de Casacos

I
Um almoço alegre de Natal,
Aonde cada alma contraria
Reveses que lhe dão melancolia,
Enfrentando-os, a sério, em festival...

Não importa se o frio é uma arrelia!...
Também nos defendemos desse mal,
Com roupas de fazenda ou de animal...
De fazenda é o casaco que eu vestia,

E deixei-o a guardar no vestiário.
Quando, na despedida o fui buscar,
Não vi o meu casaco no armário!...

A sua fuga deu bem que cismar!...
Quantos a lamentar o meu fadário:
Sem casaco vai mesmo enregelar!...

II
Logo alguns me emprestavam roupa quente,
Mas eu não tinha frio e recusava:
A que eu tinha vestida me chegava.
Sobrava um casaco!...De repente,

A semelhança quase me enganava...
No feitio e no tom, vi, claramente,
Que houve ali distracção muito evidente!...
Mas de homem, o casaco que sobrava!

Quem seria, afinal, o distraido
Que leva o meu casaco em vez do seu?
Se o vestiu, ter-lhe-à servido?...

Alguém, lá no hotel, esclareceu:
Pode levá-lo sem o ter vestido,
Da troca ainda não se apercebeu...

III
A doutora Dália e o seu marido,
E colegas, ainda ali presentes,
A porem-me nas costas roupas quentes.
Mas o frio, por mim, não é temido.

Todos com gentilezas persistentes:
Lá fora está um frio desabrido!...
Não vá assim, com tão fresco vestido,
Para um frio que faz bater os dentes...

Eu, que não temo o frio, recusava,
Agracecendo cada gentileza...
Insistiam: que o frio me constipava...

O doutor Mário em gesto de nobreza,
Dá-me transporte, e eu mal recusava...
Aceitei, na apatia da incerteza...

IV
A incerteza de achar meu casaquinho...
Pois era mesmo estranha a confusão!...
Voltaria o casaco à minha mão?...
Pensei em consultar um adivinho...

Mas, palpitou-me forte o coração
Ao lembrar-me do bondoso São Martinho
Que deu o seu casaco ao pobrezinho...
Mas, para santa, falta-me feição...

Vem-me logo outra ideia irracional:
Se dentro do casaco estivesse eu,
Assim, como um embrulho de Natal?

Quem o levou, de raiva ensandeceu:
Joga fora o embrulho, em ar brutal,
Vendo que tal embrulho não é o seu!...

V
Depois o telefone entra em acção:
Para uns, para outros... a indagar...
Nem sequer o hotel sabe informar
Quem deu ao meu casaco sumição!...

O tempo vai andando devagar...
E eu,em casa,esperando a aparição
Do meu casaco, sem agitação:
Dizendo que ele havia de voltar.

Pensei no sobretudo que sobrou:
Para mim era largo: pano a mais...
Caberia no meu, quem o levou?...

Teima vesti-lo... sem caber!... Dá ais!:
Como é que o sobretudo assim mingou?!...
No almoço engordei?!... Comi demais?!!!...

VI
Decide racionar bem as comidas!...
E contra a comezaina ele reponta:
Um jejum rigoroso não me afronta,
E dá-me as elegâncias já perdidas.

O telefone vai de ponta a ponta,
Sempre a fazer perguntas comedidas:
A saber quem tem roupas indevidas...
O distraído, assim, logo dá conta

Que a culpa não está no que comeu...
Depois, o telefone me informou:
O seu casaco já apareceu!...

O Dr. Mário, enfim, desencantou
O casaco e à destroca procedeu.
Em paz, esta odisseia terminou.

Porto, Dezembro, 2010
Ana Lopes Vieira