segunda-feira, 4 de julho de 2011

Nós e a Tróika -- U.D.S.P.

Até na crise, nós nos reunimos
Num convívio sem termos jantarada...
Mesmo que a ementa seja racionada,
Destes convívios nunca desistimos.

Não queremos a nossa alma abalada
Por sentenças da crise que sentimos
A abalar Portugal. E decidimos
Mostrar que a nossa alma é arrojada,

Persistindo num doce conviver.
E venha a Tróika impor-nos restrição
Em tudo o que nós temos de comer,

Cá estaremos sempre em reunião,
Alegres, cada um a espairecer,
Limitando o banquete a água e pão...

Porto, Junho, 2011
Ana Lopes Vieira

terça-feira, 17 de maio de 2011

AS FLORES DOS POETAS

I
Lamentou-se uma Dália, pesarosa,
Por não serem as dálias uma flor
Que sirva de motivo inspirador,
Aos poetas, como é a bela rosa

Presumida, a exibir-se em esplendor;
Ou o lírio do campo e a mimosa;
A triste violeta bem cheirosa,
A chamar a atenção do sonhador,

Que passa distraído, sem a olhar,
Atento à japoneira mais garrida,
Com camélias vermelhas a acenar:

E ele sente a beleza definida
Naquele verde-rubro, a flutuar
Como a nossa bandeira ao céu erguida.

II
As dálias não serão inspiradoras
De poetas... talvez os desconsole,
Não terem a magia do girassol:
Num bailar gracioso, durante horas,

Desde o primeiro ao último arrebol.
Não são para os poetas sedutoras...
Mas são de belos dotes portadoras,
Pois sabem ao orgulho impor controle.

Maiores do que as rosas, têm cores
Diversas, no jardim a fulgurar;
Humildes não cativam trovadores

Que não sabem as dálias amar.
Mas quem lhes reconhece altos valores
Vai levá-las a Deus, sobre o altar.

Porto, 3-5-2011
Ana Lopes Vieira

quarta-feira, 16 de março de 2011

O REI

I
Sócrates não desiste de honrarias!...
Parece até julgar-se um imortal,
Que nem no Fim do Mundo tem final...
Cada vez mais se apega às mordomias!...

Pode agravar-se o seu estado mental
E cobiçar mais altas regalias:
Ser Rei um dia!... Mas surgem-lhe arrelias:
Não pode usar coroa: a que é Real:

Foi esta oferecida à Mãe de Deus,
Por um dos nossos réis, em gratidão,
Por mercês alcançadas lá dos Céus.

Jamais os nossos réis ostentarão
A Coroa Real. E só os ateus,
Podem cair, enfim, na tentação,

II
De usurparem, à Virgem, a Coroa...
Se o atacar a ânsia de realeza,
Usurpa-Lhe a Coroa com destreza,
Pois, na sua vaidade, ele age à-toa...

Quando fala não usa de franqueza;
A sua voz a falso nos ressoa...
Promessas que não trazem coisa boa...
Só de azares... nos dão grande certeza.

Se lhe cresce a arrogância dia a dia;
Se cobiça mais alto pedestal,
Usurpa a Coroa à Virgem Maria

E atinge, assim, o seu grande ideal:
Forma, ele, uma nova Dinastia,
Coroando-se: Rei de Portugal !...

Porto, 13 - 3 - 2011
Ana Lopes Vieira

Iremos pagar IVA por cada Aniverário, na CRISE?...

I
Um Natal só de CRISE e indigência!...
Há grande discussão no Parlamento!
Fazem até um grande pé-de-vento
Contra a tirana: DONA INCOMPETÊNCIA!...

Nem a TV se cala um só momento:
Fala um... fala outro... há divergência...
Entram mesmo alguns em turbulência,
Agoirando um futuro de tormento!...

E em cada aniversário, haverá IVA ?...
Ai de nós... já há tantos anos vivos,
Sempre em actividade construtiva.

O Estado vê nos IVAs atractivos!...
Para o mais idoso, é CRISE aflitiva:
Se nos fazem pagar... retroactivos!...

II
IVA em cada Natal?... É coisa atroz!...
Vem dar-nos um desfalque nas poupanças,
E podemos perder as esperanças
De voltar aos convívios... só de avós.

Lá se vão jantaradas e festanças...
Quem é legislador SÓ VÊ OS PRÓS,
A favor deles... Não zelam por nós...
Para nós tudo são inseguranças...

Vem Bruxelas ditar-nos duras leis?...
Nas nossas algibeiras, já furadas,
Não irão encontrar... nem cinco reis...

Nações credoras... não serão lesadas:
Levam, dos nossos dedos... sem aneis...
As unhas, ai, que já nem são pintadas...

Porto, Dezembro, 2010
Ana Lopes Vieira

Odisseia na Troca de Casacos

I
Um almoço alegre de Natal,
Aonde cada alma contraria
Reveses que lhe dão melancolia,
Enfrentando-os, a sério, em festival...

Não importa se o frio é uma arrelia!...
Também nos defendemos desse mal,
Com roupas de fazenda ou de animal...
De fazenda é o casaco que eu vestia,

E deixei-o a guardar no vestiário.
Quando, na despedida o fui buscar,
Não vi o meu casaco no armário!...

A sua fuga deu bem que cismar!...
Quantos a lamentar o meu fadário:
Sem casaco vai mesmo enregelar!...

II
Logo alguns me emprestavam roupa quente,
Mas eu não tinha frio e recusava:
A que eu tinha vestida me chegava.
Sobrava um casaco!...De repente,

A semelhança quase me enganava...
No feitio e no tom, vi, claramente,
Que houve ali distracção muito evidente!...
Mas de homem, o casaco que sobrava!

Quem seria, afinal, o distraido
Que leva o meu casaco em vez do seu?
Se o vestiu, ter-lhe-à servido?...

Alguém, lá no hotel, esclareceu:
Pode levá-lo sem o ter vestido,
Da troca ainda não se apercebeu...

III
A doutora Dália e o seu marido,
E colegas, ainda ali presentes,
A porem-me nas costas roupas quentes.
Mas o frio, por mim, não é temido.

Todos com gentilezas persistentes:
Lá fora está um frio desabrido!...
Não vá assim, com tão fresco vestido,
Para um frio que faz bater os dentes...

Eu, que não temo o frio, recusava,
Agracecendo cada gentileza...
Insistiam: que o frio me constipava...

O doutor Mário em gesto de nobreza,
Dá-me transporte, e eu mal recusava...
Aceitei, na apatia da incerteza...

IV
A incerteza de achar meu casaquinho...
Pois era mesmo estranha a confusão!...
Voltaria o casaco à minha mão?...
Pensei em consultar um adivinho...

Mas, palpitou-me forte o coração
Ao lembrar-me do bondoso São Martinho
Que deu o seu casaco ao pobrezinho...
Mas, para santa, falta-me feição...

Vem-me logo outra ideia irracional:
Se dentro do casaco estivesse eu,
Assim, como um embrulho de Natal?

Quem o levou, de raiva ensandeceu:
Joga fora o embrulho, em ar brutal,
Vendo que tal embrulho não é o seu!...

V
Depois o telefone entra em acção:
Para uns, para outros... a indagar...
Nem sequer o hotel sabe informar
Quem deu ao meu casaco sumição!...

O tempo vai andando devagar...
E eu,em casa,esperando a aparição
Do meu casaco, sem agitação:
Dizendo que ele havia de voltar.

Pensei no sobretudo que sobrou:
Para mim era largo: pano a mais...
Caberia no meu, quem o levou?...

Teima vesti-lo... sem caber!... Dá ais!:
Como é que o sobretudo assim mingou?!...
No almoço engordei?!... Comi demais?!!!...

VI
Decide racionar bem as comidas!...
E contra a comezaina ele reponta:
Um jejum rigoroso não me afronta,
E dá-me as elegâncias já perdidas.

O telefone vai de ponta a ponta,
Sempre a fazer perguntas comedidas:
A saber quem tem roupas indevidas...
O distraído, assim, logo dá conta

Que a culpa não está no que comeu...
Depois, o telefone me informou:
O seu casaco já apareceu!...

O Dr. Mário, enfim, desencantou
O casaco e à destroca procedeu.
Em paz, esta odisseia terminou.

Porto, Dezembro, 2010
Ana Lopes Vieira